quinta-feira, 17 de março de 2011

A vida como ela é


Andava sonhando acordada e nesse sonhar percebia-me uma sonâmbula que perambulava pelas ruas mirando os transeuntes,  suas expressões, seus gestos, suas vontades e gostos. Surpreendia-me com o fato de todos estarem sonambulicamente perambulando pela vida.... Andando atrás de fantasias e desejos supérfluos, pois que se aprofundar dói demais!

Cheguei a pensar nesse período sonambúlico, que é melhor colocar a máscara da ignorância e desfrutar dos belos programas que passam pela TV aberta, é muita “cultura”! Sexo oral debaixo do edredom é demais, dá  até tese de mestrado! E depois tem a novela das seis, das sete, das oito, séries dos enlatados norte- americano, mas nós estamos no Brasil país do futebol, muito futebol, onde os ídolos da garotada são os craques da bola.  Além é claro, dos programas de domingo, mulheres de perna de fora e dramas da vida alheia no ar! Eu tinha a impressão de que nem mesmo domingo escapávamos da anestesia que deturpa a realidade.

No decorrer da semana eu criticava e não queria mais assistir o casal Bonner,  os demais jornais da TV, a revista eletrônica no horário matutino, vespertino, noturno, pois acreditava que se tratava de um desenrolar deturpado de falcatruas, desmandos e muita morte, roubo, bandidagem! Mas a verdade não aparecia.  E assim passava-se a semana e logo já era  segunda feira e tudo começava de novo, o sol batia na janela anunciando que a semana começava, me espreguiçava, esperneava, esfregava os olhos e pronto!  O noticiário do radio anunciava que determinado político foi cassado, que uma criança foi estuprada, uma casa assaltada, morte na BR, desespero, fome, traição.... Não aguentei mais!

Fiquei semanas sem as anestesias cotidianas distribuídas pelas ondas radiofônicas, sinais de TV e pelas bem alinhadas letras e imagens nos jornais e revistas. Senti-me só, não tinha mais assunto encontrava-me vazia, oca sem conteúdo, excluída por ser tão desinformada. Como consequência minhas pupilas dilataram-se além do normal –ou voltaram ao normal- e então sem a anestesia cotidiana, comecei a enxergar coisas que nunca vi, comecei a ver a vida como ela é. Fiquei fria, não conseguia me entusiasmar como me entusiasmava com a novela, com o B.B.B,  meu cérebro passou a exigir coisas reais palpáveis e factuais.

Meus interesses deram um giro de 360 graus. Passei a questionar dos poderes constituídos o porquê dos descumprimentos das leis e sobre o uso de bravatas. Fiquei mais exigente, reclamava sobre a qualidade de serviços e produtos. Comecei a reparar e a comentar que os políticos são coodependentes da miséria e do crime, nunca vão acabar com eles, pois necessitam de uma demanda de controle, ou seja, sem miséria e sem crime não há como barganhar e comercializar votos nas eleições.

Segundo meus amigos e amigas eu estava insuportável, havia saído da casinha, tinha perdido a noção das coisas. Foi então que me internaram. Depois de vários exames, fui diagnosticada como sendo portadora da SAC (Síndrome da Abstinência de Cultura), uma doença que segundo os médicos é adquirida por aquelas pessoas que deixam de tomar suas doses diárias de “cultura”. Era a abstinência de novelas, B.B.B, Fazenda, Domingo Legal, Faustão... estava correndo o risco de adquirir também de forma crônica a polêmica, o isolamento e a obcessão por leitura incessante de livros que deturpam a mente, além de ficar mais exigente com cinema e gosto musical. Ainda bem que fui socorrida a tempo... estava muito chata.

Fui internada as pressas na UTI. Meu caso era grave, muito grave. Como a personagem de “Laranja Mecânica” de Kubrick, alguém me amarrou em uma cadeira e arreganharam meus olhos com grampos impedindo que eu os fechasse e então durante cinco dias através de um telão tomei doses cavalares de Domingo Legal, Faustão, B.B.B, noticiários e novelas, sim muitas novelas. Foi a minha salvação, retornei ao mundo normal, hoje voltei a ser uma pessoa culta, tenho assuntos e sou vista com bons olhos. Deixei de sonhar,  e quando sonho, sonho acordada enquanto uma flor indiferente a tudo nasce em meu jardim, mostrando a vida como ela é.

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